segunda-feira, 13 de junho de 2011

silêncios

Ontem, véspera de Santo Antônio, eu ouvi o canto de um silêncio monstruoso que feriu e ainda dói muito no peito daquele homem...

O homem é comum, não me aproximo de homens que assim não se revelem, mas se classifica como alguém "não comum e nada convencional". Rotula-se "não tributável".

Ontem, depois de horas discorrendo sobre qualquer assunto que não implicasse intimidade, de repente, ele calou. E cantou... silenciosamente ... uma canção de desespero e tristeza que não tinha mais tom... desafinou... perdeu a voz dentro do seu silêncio (ab)surdo.

Tomou uma xícara de café forte, que até hoje não sei se ele gosta ou se pede e bebe sem reclamar por educação e gentileza.

Depois, com a mesma expressão que se vê no rosto de um homem feliz , ele me contou que fora expulso de casa pelo pai aos quinze ou dezesseis anos. Por causa de uma dona que o pai imaginou estar de coisa com ele. Motivo torpe? Claro, mas quem se importa com motivos? Na rua, apenas com suas poucas peças de roupa, sem dinheiro, sem nada.

Olhei bem para o seu rosto naquele momento e posso garantir que ele não demonstrava nenhum rancor, nenhuma raiva. Não vi o menor sinal de revolta em sua face meiga e branda.

Ao contrário, seu semblante irradiava uma luz quase ofuscante de tanta serenidade, de tanta doçura.

E, depois de relatar sua história, ele sorriu.

Não pude compreender sua dor. Sou da linhagem dos que tiveram uma infância feliz, em família, com direito a escola, comida, brinquedos caros, roupas... tudo que uma criança pode querer para chegar à adolescência e se rebelar. O homem nunca vai poder saber o que é isso.

E o silêncio que aquele homem cantou para mim ontem está remexendo aqui dentro. Primeiro senti uma forte dor de cabeça, como se ao pensar nele meus neurônios se inflamassem. Depois veio o aperto no peito (lugar comum para a situação insólita!). Mais tarde, quando ele foi embora sem me abraçar, sem me desejar boa-noite, sem olhar nos meus olhos, doía tudo, parecia que eu havia ingerido uma dose de um nada digerível veneno (coisa da minha alucinação, eu sei... nunca bebi veneno para associar a sensação ao entorpecimento que me tomava). Então finalmente eu gritei para não morrer sufocada com o silêncio que ele deixou em mim.