quinta-feira, 16 de outubro de 2014

chega de saudade

Chega um tempo em que não dói mais. Doer dói, mas parece que a gente está anestesiada, entorpecida... e a saudade está tão impregnada na vida que a gente nem sente. Talvez esse dia tenha chegado hoje - com o vento que arrepiou os sonhos adolescentes quando eu quis abrir a janela e tive medo. Talvez o mau tempo nunca tenha pensado em ser dia ensolarado... Talvez a mágoa esteja entranhada no brilho dos olhos ao "te" ver (mesmo em pensamento) e não haja mais desespero nem coragem para mudar a direção dos teus raios de luz. Chega um tempo que não basta. Um tempo que não chega. Sempre vai haver um dia mais azul para nublar essa saudade cortante, essa saudade ardente, essa saudade insistente e franca... que não me esquece.

terça-feira, 29 de julho de 2014

insônia feliz

Voltando de férias, notei que há dias, há meses, não produzo uma linha sequer! Que susto. Eu, tão afeita às palavras, tenho andado tão muda. Emudecida. Mudada? Não saberia descrever agora. Tenho tido pouca (quase nenhuma) disposição para escrever. Esgotado o repertório de romances-clichês, não sobrou nem uma só palavra para dizer. Este talvez seja meu último post neste blog. Quem vai saber? Escrever era um ato de amor. Escrever era o amor. Eu sentia e as palavras vinham... docemente. Eu só sei falar de amor! E isso é tão simples. O amor. O mundo está em guerra - Gaza, Ucrânia, Brasil... onde a próxima bomba pode ser detonada? Em mim, os vestígios da desumanidade parecem implodir. Ninguém sabe. Não sei escrever a dor, a indignação. Você que me lê (de vez em quando, quando escrevo alguma bobagenzinha) deve achar que sou alienada (risos). Não faço questão do seu julgamento. Só sei dizer que sinto. E só escrevo quando há amor. Escrevia quando eu sentia que havia. Quando o via e sentia. Sempre o amor o mesmo e terno.
É por isso estou escrevendo hoje.
Ontem, depois de muito tempo, a poesia (a palavra poética) me fez sentido. Em outro sentido. Um amor me acenou. Foi uma conversa rápida, trocamos, como antigamente, mensagens instantâneas, como as que trocávamos quando a poesia vertia entre minhas pernas, em manhãs de segundas-feiras, terças, quintas, em todas as manhãs nubladas e ensolaradas! Conversas entre quatro paredes, trancadas à chave, enquanto janelas se abriam e se fechavam abruptamente. O mesmo jogo de palavras, o duplo sentido repetido nas mesmas conjugações. A leveza das brincadeiras mal-intencionadas revelada em cada vírgula digitada. "Vou dormir feliz e a culpa é sua". Eu disse (escrevi), mas não dormi. Não dormi porque estava feliz. Ah, esse círculo vicioso! E a insônia me levou àquele tempo! Quando eu passava noites acordada pensando o que "ele" estaria fazendo. O que estaria pensando. Tempo em que eu despertava de um sonho curto (intenso e pleno) e me preparava para o "nosso café da manhã"! Composto de palavras e rimas. A mesa enfeitada de prosa!
Ontem, depois de muitas noites em branco, minha insônia foi colorida!

terça-feira, 10 de junho de 2014

o mal dito

O eu-te-amo que você ouviu extrapola o verso, por isso eu olhava tanto pros seus verbos castanhos totalmente desentendidos dessa poesia externa que me sacrifica.
O eu-te-amo que eu soletrei calma e esquiva quando nos despedimos estava engasgado havia muito tempo entre todas as frases-d'efeito que eu coleciono para um dia especial.
O eu-te-amo que anuncio não está escrito em nenhum dos meus delírios emocionais involuntários. Eu tentei preservar seus ouvidos dessa declaração clichê até agora porque sei que seus argumentos racionais ultrapassam a fragilidade do meu afeto longínquo e terno.
Não foi pensando em dizer esse eu-te-amo que eu quis encontrar você naquela tarde. Mas, diante dos seus olhos perversamente sedutores, a única palavra que me ocorreu para não me entregar e me machucar ainda mais foi aquele eu-te-amo que você não pediu que eu repetisse sem olhar pra trás.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

mais uma epígrafe possível para um romance desconstruído

opção

para chegares a mim
tens uma rua reta ou uma rua
torta
a primeira te traz depressa
a segunda te traz alegre
(o que mais importa?)

(Líria Porto)


Com essa "epígrafe", retomo uma história que ficou congelada nos últimos tempos.
Tenho procurado dar ao nosso romance um roteiro mais consistente e verossímil, mas nem sempre encontro a palavra certa ou a melhor construção para nosso verbo tão fragmentado. Paráfrases e metáforas e outras imagens desfiguradas interrompem a sintaxe. A escrita surta, tão curta! Tenho dificuldade de escolher os pronomes e os conectivos que sublimem mais inusitadamente os sentimentos que pressinto querer descrever. Não consigo discernir desejo, vontade, coragem, tudo o que parece fazer sentido... não é sentido por mim. A poesia nunca mais me acordou na manhã plena de sol e veio escorrer nas linhas da minha prosa. Tudo é mudo e seu. Tudo emudeceu. Mesmo assim, eu luto. Projeto meus sonhos em utópicas criações coletivas e plurais. Mas nossa história permanece nas entrelinhas da minha falta de sono (noturna mente). Uma espécie de dislexia me sufoca e eu engasgo com as migalhas de atenção que você joga na minha caixa postal com indiferença e certo desprezo. Sua voz me tortura às vezes com um "boa noite", às vezes, com um "fique bem". Você sempre economiza verbo, adjetivo e deixa o sujeito implícito. 
Eu interpreto sua falta de interesse como uma estratégia (me lembrando sempre de Mario Benedetti!), e divago entre as suposições que eu crio para enganar minha postura irracional.  

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

cronicamente impublicável

"Meu amor,
Tenho escrito diariamente para você, não sei se percebeu. Digo não saber, pois não chegam até mim suas respostas! E isso tem tornado meus dias simplesmente entediantes. Lembro-me de um Ano-Novo em que aconteceu algo parecido: pelo celular, eu lhe enviava mensagens (a mesma sempre) cumprimentando-o pela passagem de ano, mas como a operadora não me informava o recebimento pelo destinatário, e você não respondia,  eu achava mais seguro reenviar, nunca fui de confiar nessas entregas tecnológicas! Então, tendo eu já passado por essa experiência traumatizante, escrevo para você todos os dias... e, com medo de uma operadorazinha me boicotar novamente, reforço a entrega por outros meios de comunicação que eu julgo mais seguros (como email, facebook, correios). Não é que eu seja insegura, mas quero ter certeza de que meus poemas, minhas cartas, meus bilhetes, minhas palavras, enfim, chegarão até você.
Bom, como eu disse no começo, tenho escrito muito pra você, mas não sei se minha correspondência tem alcançado seu destino.Se você não recebeu nada do que enviei anteriormente, não se preocupe, apenas me avise (negue ou confirme) e eu reenvio, sem problema nenhum.. tenho cópia de todas as mensagens!
Mas eu só queria mesmo que você soubesse que sinto muita falta das suas respostas e estou com muita saudade de você."

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Cliquei em "ENVIAR" e desliguei o computador. Era segunda-feira e eu ainda tinha um sono acumulado da viagem feita no fim de semana. Adormeci antes mesmo de desligar a TV.

A semana está passando depressa; com tantas pendências a serem resolvidas, mal tenho tempo de atualizar meu perfil no face. Vejo apenas as postagens dos amigos mais próximos e checo se você mandou alguma resposta a qualquer uma das mensagens que lhe encaminhei. Já estamos na quarta-feira e nada. Mas hoje é dia de ler a coluna do Ivan Martins (e claro escolher uma frase que eu gostaria de ter escrito para você). Alguém postou um link cujo título mais me lembra um luminoso de tão familiar "Assunto urgente"*.
Constrangida, leio a crônica publicada no jornal que você, como bom jornalista, tem costume de criticar. Primeiro rio, parece que aquele teria sido o mote do dia! Aí, paro, fecho a cara e penso "no mesmo dia? Assim ele vai pensar que eu copiei a ideia, péssimo isso". E com toda impaciência do mundo corro para relatar (você sabe que eu tenho essa mania condenável de me explicar) que tudo não passa de uma infeliz coincidência.
O que me incomodou, na real, foi a insistência na fórmula que eu julgava ter descoberto ao escrever para você! "Até o título é igual! E eu acabo de mandar um e-mail pedindo desculpas pelo subterfúgio!", reflito quase em voz alta. É bem verdade que a gente vive se plagiando... (sempre que você me diz "sou um plágio", eu digo que essa fala é minha, não é mesmo?). Mas eu não tive a intenção de plagiar ninguém!! Não dessa vez! Você precisa saber que tive essa ideia antes de ler qualquer coisa parecida para me inspirar. O fato é que tudo está minuciosamente atrelado. O título, a mensagem, os recursos estilísticos, até mesmo o nome da personagem... (se você abrir a última mensagem inbox que deixei para você no facebook, vai reconhecer),  tudo é intertextualidade!
Já vivi situações parecidas... mais de uma vez me vi numa saia-justa dessas... mas é que desta vez, conhecendo o tal texto, a minha verve ficou exposta. Sabemos (você e eu) que sou uma pessoa previsível; mas não a ponto de plagiar alguém descaradamente! E é melhor você me responder antes que eu use outros meios para minhas mensagens chegarem até você!


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* Assunto urgente - Gregorio Duvivier, Folha de S.Paulo, 10/02/2014

Carlos,
Não sei se você pegou o whatsapp que eu te mandei, avisando que eu tinha te mandado uma mensagem via SMS. A mensagem era referente ao e-mail que eu te enviei pedindo desculpa pela quantidade de recados que eu deixei na sua caixa postal, onde li em voz alta as mensagens que eu te mandei por "inbox". Eu sei que exagerei na quantidade de "inboxes", mas às vezes as mensagens vão parar na caixa "outros", sobretudo depois que a pessoa te bloqueou.
Comentei no seu Instagram que tinha tentado te mandar uma DM no Twitter, mas não tinha conseguido porque você não me seguia. Na DM te perguntava se você ainda usa Orkut. Lá te mandei um monte de testimonials (não é pra aceitar, é só pra ler), perguntando seu novo endereço, porque as cartas que te mando têm voltado, assim como os telegramas. Pensei em te mandar um fax, mas logo lembrei que queimei o meu fax na fogueira que fiz pra te mandar sinais de fumaça, que causou um incêndio no prédio, que resultou na minha expulsão, que acabou me trazendo pra casa em que estou hoje.
Me mudei e custei a perceber que você talvez estivesse escrevendo para o meu endereço antigo. Pensei em passar no meu antigo prédio pra checar se não havia cartas suas por lá, mas lembrei que não sou benquista no bairro, depois do incêndio.
Pensei em passar no seu prédio, mas tampouco sou benquista por aí, por causa da maldita ordem de restrição. Por isso comprei um pombo, que passei um tempo tentando adestrar para buscar as cartas que você tem escrito pra mim. Amarrei uma mensagem no seu pé e mostrei o caminho da sua casa no mapa do iPhone. Atirei-o pela janela, mas ele nunca voltou. Pensei que ele talvez tivesse sido apreendido pela polícia. Reli a ordem de restrição, mas ela não faz menção ao envio de animais-de-correio. Concluí, então, que a culpa é da Apple, que definitivamente não sabe fazer mapas. Se por acaso vir um pombo pardo, perdidinho, com uma longa carta na pata esquerda, é o meu. Um conselho: quando for mandá-lo de volta, não use o mapa da Apple, use o Google Maps.
Hoje estou morando em um lugar agradabilíssimo, mas que insiste em me privar de caneta e papel, assim como das minhas mãos, que no momento estão presas em uma linda camisa branca de mangas longas (demais). Por isso te mando essa mensagem telepática, que peço que responda telepaticamente, pois de outro modo talvez não chegue até mim. Sempre sua, Carmen.