segunda-feira, 31 de outubro de 2016

primeiro movimento (adágio)


Notas macias de uma sonata incomum. Observo do seu ponto de vista, onde olhares me surpreendem em harmonia.
O que me toca nesse acorde. Me arrisco aqui ao dizer, usando estilo desconhecido, as palavras que denunciam meu excesso de verso. Me exponho. Desse lado do verbo, a transitividade encontra seu complemento. Com gestos hesitantes, me solto - principiante e ingênua - percorro as linhas da sua trama (perfeitamente tecida) e não me sinto gramaticalmente apta a conjugar sua prosa. Sou pega pelas armadilhas sintáticas do sujeito. Telegraficamente, converso com os personagens. Penso no homem despido que deita comigo. Ternura. Nunca havia sentido esse vocábulo em sentido tão literal. Tensão: na minha cama as páginas da novela se confundem com meus desejos e eu me excito com sua maestria no contar. Imito a falta de diálogo e silencio. Onde estarão suas mãos no instante em que meu corpo vertente flui. Silencio com mais propriedade, profundamente, inquieta e plena. Você ainda respira minha ofegância.
[Aviso aos leitores: estou aprendendo um novo idioma (a Felicidade) e talvez deixe escapar algumas incoerências no momento de empregar um ou outro termo.]

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

notas para um romance

Um novo romance aponta-se 
Na ponta do lápis 
(Primeira nota: eu gosto de escrever a lápis para evitar rasuras; é sempre melhor apagar os erros e escrever de novo)
Conversamos sobre essa minha obsessão por um romance bem sucedido em sua constituição! É preciso de fôlego para produzir um romance!
Mas a minha sintaxe frágil não sustenta a situação. As frases-fragmentos parecem que falham na folha em branco que me proponho a preencher.
As mais recentes lembranças (vivas) ainda inspiram conjugações inusitadas entre as pautas em que me apoio para não perder o fio da história. "A gente só deve escrever sobre o que conhece", você me ensina. E diz com muita naturalidade que é preciso coragem (divagações à parte, o texto do Guimarães Rosa que eu tanto repito!!!). Mas a minha pretensão não é convencer ninguém dizendo-me romancista no literal sentido do termo, eu só quero tecer um novo romance, um lance cheio de graça e com tal leveza que o protagonista não se sinta sufocado nas entrelinhas do enredo. Uma história que pode ser o clichê mais pobre da literatura, mas que se mostra original com esse sotaque.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[nova manhã]


Despertar sem o blá-blá-blá do rádio
Em suas entrevistas matinais
Mas sentir que as palavras do dia
Que o corpo e a alma pedem
Amor tecem
Abrir os olhos sem medo
De deparar com o silêncio
Sentindo que posso me apaixonar
Pelas palavras
Porque umedeceram meus olhos
antes de fazer fluir o desejo
entre as pernas
E porque as mãos acolheram
o sal a febre o gosto: o gozo
a sede do corpo: única sensação
************
Começo a segunda-feira com ares de contentamento. A poesia me desperta e inspirada registro os versos que sobraram na cama em pensamentos escondidos sob os lençóis.
Recolho roupas e lembranças. O despir-se e recompor. Colho os olhares, o espelho.
No quarto recém-pintado, as paredes retêm o cheiro fresco de felicidade.
Novas conjugações para uma sintaxe desgastada e previsível: a voz de Caetano me vem à mente: "outras palavras", e fico cantarolando mentalmente a possibilidade de reescrever a história, usando expressões idiomáticas mais condizentes com esse novo contexto (tão fora/dentro do mundo verbal)!
Sim, a realidade me trouxe derivações mais apropriadas para os vocábulos monotemáticos a que exponho. Prefixos reinventados, reinterpretados, formam palavras que eu desconhecia: me vejo/sinto fênix ao renascer.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

sobre as saudades que somos

"Na saudade descobrimos que pedaços de nós já ficaram para trás.
E descobrimos, na saudade, uma coisa estranha: desejamos encontrar, no futuro, aquilo que já experimentamos como alegria, no passado.
Só podemos amar o que um dia já tivemos."
(Rubem Alves)

Achei "engraçado" topar com esse post sobre saudade logo depois de ter trocado algumas palavras inbox com você. Achei graça porque antes dos costumeiros "beijos" de despedida, excepcionalmente desta vez, foi você que escreveu "estou com saudade de você". E nos despedimos entre essas saudades: a sua e a minha. Nossas saudades plurais. Saudade que se multiplica, e produz essas saudades sem medida, singularmente plural.
Você não acha curioso uma frase escrita assim tão retoricamente desencadear toda essa minha sintaxe?!
Eu acho engraçado isso, mas não rio. Escrevo. Escrevo para ver se a saudade para de machucar, tentando pôr pra fora esse gesto de repetição inconsciente e racional que é sentir saudade assim, sempre, sem controle.
Você sabe que guardo nossas saudades... E que ponho todas elas no minúsculo músculo cardíaco que de vez em sempre faz festa com as lembranças mais carregadas de saudade. Sabe? (Não diga que não sabia, tá?) Eu tenho muitas saudades de nós! Saudade de quando estávamos atados. Amarrados, mas livres. Eu nunca quis você nessa ideia de sufoco, nem de prisão. E tenho saudade de você livre e preso a mim. Simbioticamente unidos. É desse nós que tenho saudade, entende? Tenho saudade do toque dos seus dedos desembaraçando minha razão, fazendo fluir minha inflexibilidade e minha teimosia. Tenho saudade do seu olhar náufrago... dentro das minhas inconstantes convicções. Tenho saudade, sim. Saudade da palavra pronunciada com calma umedecendo meu sexo não verbal. Sim, eu tenho saudade. Muita saudade do seu corpo, inteiro. Da sua pausa, do seu movimento, do nosso discurso... do nosso silêncio e do nosso riso... do aconchego no seu peito quando as saudades exaustas se rendem ao nosso desejo já frouxo... saudade do verso que escorre... saudade do poema que tecemos quando em gozo pleno acontecemos.