segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ao meio-dia

O relógio marcava meio-dia. Na minha consciência esse era o melhor horário para dizer coisas sem nexo. Escrever todas as cartas que jamais postaria. O tempo. A linha efêmera do cartão-postal.

Eu tenho apenas algumas linhas pra contar a ele que, agora que vejo um mundo palpável em minha frente, posso gostar de janelas. Talvez ele também quisesse conhecer essas quedas-d’água... essas flores... a vida desenhada em forma de arco-íris...

Na parede mais distante a constatação de que ao meio-dia as possibilidades são absolutamente imperfeitas, mas reais. Apesar disso, todas as minhas lembranças não caberiam nas escassas linhas do cartão que eu escolhi para lhe mostrar que esse lugar onde ele não pode entrar é encantador.

Aqui o tempo é estático. E a felicidade dura pra sempre, pois é meio-dia há horas.

Meio-dia: mais de meia vida perdida entre um tique-taque e outro. Mas os ponteiros estão unidos. Um sobre o outro... E eu estou tentando dizer que nossos ponteiros não se tocam em tempo algum. Estiveram sempre descompassados. Anti-horários sentidos.

Percebo que não há nada a dizer-lhe depois de vivermos juntos. Ao meio-dia é possível dizer essas incoerências sem restrições legais. À luz do Sol não há contestação.

Fosse na calada da meia-noite e ele já estaria gritando: “Isso que você está dizendo não passa de uma grande bobagem. Você me ama e não quer que eu vá embora coisa nenhuma.” Mas ao meio-dia ele não pode gritar porque ninguém vai ouvir.

... Pensei em ir à cozinha fazer um café. Era meio-dia e eu não sabia o que dizer para ele. As sensações roendo o pensamento. Por dentro, apenas pulsavam as horas que não voltam para desfazer o estrago.

A enfermeira me pôs um comprimido sob a língua na tentativa de ajudar o silêncio a não me despertar. O soro no fim da veia... o pulso: era hora de trocar o curativo: meio-dia.

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