quinta-feira, 14 de setembro de 2017

saudade sem nome


"hoje, te escrevi um poema:

umas 
linhas
em branco

(pensei em você,
me faltaram palavras)" 
(Julianna Motter)

Sinto tanta falta de escrever pra você. Mesmo vislumbrando com sua não leitura, mesmo desacreditando no efeito que meu texto provocaria no seu pensamento lógico. Mesmo assim eu sinto falta de escrever. Só pra você. Trançar palavras na trama dos nossos desembaraçados fios. Amarrar as linhas do nosso inconjugado verbo: prender. (Sinto falta de grafar as letras do seu nome e apagar pra depois deixar só a primeira, imitando o Nando Reis, "N".) Saudade de brincar com nossos segredos descobertos e revelados nas entrelinhas de um poema infame. Tanta falta de dizer que sentir é o que eu sinto quando o sujeito é você. Meu melhor conto. Meu único leitmotiv. E esse silêncio ab-surdo latejando lembranças, rareando encontros... sinto tanta falta de vc ! 
(Desculpe o desabafo)
 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

rotina crônica

"Parem de falar mal da rotina" é o título de uma peça (não sei se há um livro com o mesmo nome) da ídola Elisa Lucinda. Hoje eu acordo louvando a rotina.  Acordar, tomar um banho para despertar as células, preparar o café... depois escrever sobre os movimentos dos móveis na sala. Escrever sobre as figuras que se formam na xícara do café... sobre a falta de assunto (interessante) no noticiário do rádio. Gosto de vir escrever assim que a inspiração se apresenta!
Abro parênteses aqui pra contar um dos detalhes mais sórdidos e persistentes na minha rotina matinal: eu acordo com o rádio-relógio na mesma estação de rádio há pelo menos 25 anos. Gosto de acordar com a voz do locutor descrevendo as condições do trânsito, apontando os congestionamentos. Em Sampa, isso é um dado imprescindível! É preciso saber onde há um caminhão preso numa das pontes da marginal. Há sempre um caminhão que entala em alguma ponte, ou pelo menos isso era muito comum quando eu trabalhava em um prédio instalado em plena marginal. Por isso adquiri tal hábito! Ah! E tem sempre a previsão do tempo!! Mesmo no período em que vivi em Curitiba eu ouvia a previsão do tempo diariamente antes de me levantar para o trabalho! Meu amigo até me chamava de Macabéa, me comparando, claro, à personagem de "A hora da estrela", da Clarice. Eu achava engraçado... ainda acho... e gostava... ainda gosto.
Só que a inspiração hoje não tem esses referenciais literários artísticos represados em congestionamentos climáticos e imprevisíveis.
Falar da rotina hoje é contar que a canção que nos despertou chama-se "Dia a dia, lado a lado". Escolhi essa música porque queria acordar cantando para você. E essa é a melhor trilha sonora para uma rotina que vai se estabelecendo. [Pena que você não "curtiu"... você não repara nestes detalhes, né?...] Eu sou uma dependente de música. Você ainda não percebeu...
Outra coisa: dormir junto, eu sempre digo, é especialmente bom porque pressupõe um acordar junto. E é isso, esse acordar, que torna o dormir junto diferente de uma "visita". Nesse sentido, você realmente me satisfaz!! Amo todas as noites que dividimos a mesma cama (admito que gosto mais quando nos amalgamamos na minha cama... porque posso recuperar sua presença quando você está ausente). E gosto mais ainda quando acordamos abraçados... quase sempre você me olhando... gesto indescritível. Sensação inominável.
Talvez por isso eu esteja me sentindo tão inspirada hoje!
Essa repetição de gestos, hábitos, olhares e gostos ao amanhecer deixa o meu dia mais iluminado, sabe?
Acredito que uma pessoa vai fazendo parte da sua vida à medida que vai se tornando rotina. Coisas simples, como tomar café juntos pela manhã, dormir abraçadinhos (independentemente de rolar sexo! - isso é muito relevante! porque se tem sexo toda vez que a gente dorme junto, eu fico pensando que é só isso... e aí voltamos ao nível "visita").
E penso que não há nada mais rotina do que jantar juntos o arroz com feijão nosso de cada dia!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

atemporal

Tempo volátil entre os móveis da casa. As horas. Tudo é silêncio agora. Você me diz que sempre fica algo no ar. À noite, antes de adormecer, sua fisionomia me confunde entre outras paredes. Olho  ao redor e vejo cores ardentes. Em que quarto? Não há fresta que me clareie as divagações... Eu seria apenas outra imagem dançando ao som de um beethoven ao luar... mas você me oferece esse silêncio tão suavemente! Me perco à procura do tempo certo para conjugar o inconjugável. Nosso verbo conjugal de cada manhã desperta... Outra dimensão temporal. Os relógios não funcionam em conformidade. Acelerados, os ponteiros na parede da cozinha apontam para o início do dia. Manhã sem sol. Vasculho na memória recente, me empenho para tocar seu corpo. Você distante. Alguns centímetros nos separam e eu estico o braço na tentativa de o alcançar... Perco as noções básicas da Física (essa nossa coincidência cientificamente comprovada) e me acho interiorizada em seus pensamentos. Tudo quimicamente estável: amálgama. Colados, nossos tecidos, órgãos, músculos e desejos. Um só corpo vibra e pulsa no mesmo ritmo. O tempo? Quando? Em que momento nos separamos para nos reencontrarmos agora? No meu calendário, os meses, dias. Nada registrado nas horas que você não cronometra minha plenitude. O fluido. Meu tempo imaginário não contabiliza esses segundos. Parecem levar a vida inteira para gozar. Que horas são? Tem tempo para mim hoje? Perguntas inúteis. Toda cronologia se fez dispensável depois que você passou a ocupar meu tempo. Que dia é hoje? Perdi a noção do tempo, da velocidade sincronizada; perdi a sensação de tempo perdido... quando encontrei você!

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

la costumbre

"Tú me acostumbraste
a todas esas cosas,
y tú me enseñaste
que son maravillosas"

Alguma coisa entre o deslumbre e a intimidade. Hora do almoço. Sabores recentes que se pretendem constantes. Mastigo vagarosamente o prato que você nos preparou. Me farto. Você falta. Refaço nosso ritual à mesa: me alimento da saciedade das fomes que excedem. As sensações sobre a mesa muito extensas para caber no verso. Mal cabem na casa. Impregnam os cômodos. Não me incomodo com a presença perene das mãos que ainda suas me apalpam. Lembranças táteis. Vago pelo quarto. Troco os lençóis, e quase toco seu corpo. Membros explícitos sobre mim. Me prostro diante da imagem. Levo algum tempo para me acostumar com a mudança de hábito. Onde antes lacuna, hoje acúmulo e alguns neologismos. O caminhar disponível pela sala dá lugar ao senso de responsabilidade. Assumo meu papel neste enredo novo que se apresenta em capítulos longos e densos, com a profundidade do seu olhar através das lentes. Finjo desconcerto e por dentro me sinto protegida. Subterfúgio. Você alcança minha nudez retirando camadas de intenções. Me desnuda. Mergulho na memória corporal da sua astúcia. Despojamento e lascívia à flor da pele. Outra sede cede, atravessa, desce... aquece. Ardo.

E só agora, que você exige a quantidade exata de palavras, minha rima se mostra rara, escassa... e o que sinto parece tão excessivo. E entre narrativas e descrições intermináveis, me estendo: em excessos. A poesia não suporta a limitação das linhas.


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

primeiro movimento (adágio)


Notas macias de uma sonata incomum. Observo do seu ponto de vista, onde olhares me surpreendem em harmonia.
O que me toca nesse acorde. Me arrisco aqui ao dizer, usando estilo desconhecido, as palavras que denunciam meu excesso de verso. Me exponho. Desse lado do verbo, a transitividade encontra seu complemento. Com gestos hesitantes, me solto - principiante e ingênua - percorro as linhas da sua trama (perfeitamente tecida) e não me sinto gramaticalmente apta a conjugar sua prosa. Sou pega pelas armadilhas sintáticas do sujeito. Telegraficamente, converso com os personagens. Penso no homem despido que deita comigo. Ternura. Nunca havia sentido esse vocábulo em sentido tão literal. Tensão: na minha cama as páginas da novela se confundem com meus desejos e eu me excito com sua maestria no contar. Imito a falta de diálogo e silencio. Onde estarão suas mãos no instante em que meu corpo vertente flui. Silencio com mais propriedade, profundamente, inquieta e plena. Você ainda respira minha ofegância.
[Aviso aos leitores: estou aprendendo um novo idioma (a Felicidade) e talvez deixe escapar algumas incoerências no momento de empregar um ou outro termo.]

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

notas para um romance

Um novo romance aponta-se 
Na ponta do lápis 
(Primeira nota: eu gosto de escrever a lápis para evitar rasuras; é sempre melhor apagar os erros e escrever de novo)
Conversamos sobre essa minha obsessão por um romance bem sucedido em sua constituição! É preciso de fôlego para produzir um romance!
Mas a minha sintaxe frágil não sustenta a situação. As frases-fragmentos parecem que falham na folha em branco que me proponho a preencher.
As mais recentes lembranças (vivas) ainda inspiram conjugações inusitadas entre as pautas em que me apoio para não perder o fio da história. "A gente só deve escrever sobre o que conhece", você me ensina. E diz com muita naturalidade que é preciso coragem (divagações à parte, o texto do Guimarães Rosa que eu tanto repito!!!). Mas a minha pretensão não é convencer ninguém dizendo-me romancista no literal sentido do termo, eu só quero tecer um novo romance, um lance cheio de graça e com tal leveza que o protagonista não se sinta sufocado nas entrelinhas do enredo. Uma história que pode ser o clichê mais pobre da literatura, mas que se mostra original com esse sotaque.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[nova manhã]


Despertar sem o blá-blá-blá do rádio
Em suas entrevistas matinais
Mas sentir que as palavras do dia
Que o corpo e a alma pedem
Amor tecem
Abrir os olhos sem medo
De deparar com o silêncio
Sentindo que posso me apaixonar
Pelas palavras
Porque umedeceram meus olhos
antes de fazer fluir o desejo
entre as pernas
E porque as mãos acolheram
o sal a febre o gosto: o gozo
a sede do corpo: única sensação
************
Começo a segunda-feira com ares de contentamento. A poesia me desperta e inspirada registro os versos que sobraram na cama em pensamentos escondidos sob os lençóis.
Recolho roupas e lembranças. O despir-se e recompor. Colho os olhares, o espelho.
No quarto recém-pintado, as paredes retêm o cheiro fresco de felicidade.
Novas conjugações para uma sintaxe desgastada e previsível: a voz de Caetano me vem à mente: "outras palavras", e fico cantarolando mentalmente a possibilidade de reescrever a história, usando expressões idiomáticas mais condizentes com esse novo contexto (tão fora/dentro do mundo verbal)!
Sim, a realidade me trouxe derivações mais apropriadas para os vocábulos monotemáticos a que exponho. Prefixos reinventados, reinterpretados, formam palavras que eu desconhecia: me vejo/sinto fênix ao renascer.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

sobre as saudades que somos

"Na saudade descobrimos que pedaços de nós já ficaram para trás.
E descobrimos, na saudade, uma coisa estranha: desejamos encontrar, no futuro, aquilo que já experimentamos como alegria, no passado.
Só podemos amar o que um dia já tivemos."
(Rubem Alves)

Achei "engraçado" topar com esse post sobre saudade logo depois de ter trocado algumas palavras inbox com você. Achei graça porque antes dos costumeiros "beijos" de despedida, excepcionalmente desta vez, foi você que escreveu "estou com saudade de você". E nos despedimos entre essas saudades: a sua e a minha. Nossas saudades plurais. Saudade que se multiplica, e produz essas saudades sem medida, singularmente plural.
Você não acha curioso uma frase escrita assim tão retoricamente desencadear toda essa minha sintaxe?!
Eu acho engraçado isso, mas não rio. Escrevo. Escrevo para ver se a saudade para de machucar, tentando pôr pra fora esse gesto de repetição inconsciente e racional que é sentir saudade assim, sempre, sem controle.
Você sabe que guardo nossas saudades... E que ponho todas elas no minúsculo músculo cardíaco que de vez em sempre faz festa com as lembranças mais carregadas de saudade. Sabe? (Não diga que não sabia, tá?) Eu tenho muitas saudades de nós! Saudade de quando estávamos atados. Amarrados, mas livres. Eu nunca quis você nessa ideia de sufoco, nem de prisão. E tenho saudade de você livre e preso a mim. Simbioticamente unidos. É desse nós que tenho saudade, entende? Tenho saudade do toque dos seus dedos desembaraçando minha razão, fazendo fluir minha inflexibilidade e minha teimosia. Tenho saudade do seu olhar náufrago... dentro das minhas inconstantes convicções. Tenho saudade, sim. Saudade da palavra pronunciada com calma umedecendo meu sexo não verbal. Sim, eu tenho saudade. Muita saudade do seu corpo, inteiro. Da sua pausa, do seu movimento, do nosso discurso... do nosso silêncio e do nosso riso... do aconchego no seu peito quando as saudades exaustas se rendem ao nosso desejo já frouxo... saudade do verso que escorre... saudade do poema que tecemos quando em gozo pleno acontecemos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

naquele tempo

Não, eu não pensava em escrever pra você outra vez. Não por não ter o que dizer, claro; só porque, depois que você se retirou do nosso romance inacabado, eu pensei que nunca mais escreveria. Nem pra você nem pra ninguém... Mas hoje... Ah! Hoje, depois que nos despedimos, depois de você dizer "eu ainda não te conhecia", tantas frases me ocorreram que não pude evitar! 
É verdade que, desde que você escolheu o meu silêncio, tenho tido saudades. Muitas saudades. Todas as saudades possíveis. sei que eu já disse que tenho muitas saudade de você e de todas as nossas frases feitas, os nossos clichês adoráveis e prediletos! Eu tenho saudade de escrever pra você. Saudade de usar meandros gramaticais para a trama previsível e inusitada que rabisco para vivermos. como se fôssemos um filme, o melhor  roteiro adaptado! Cannes, a Palma de Ouro! Sim, seríamos premiados! 
E eu sinto falta de escrever essas bobagens sentimentais para você. Falta de escrever e ficar imaginando a expressão do seu rosto ao ler essas palavras quase desconexas mas bem colocadas e sintaticamente coerentes. E por isso hoje, quando você disse... Ah! você disse tanta coisa durante aqueles poucos minutos em que os relógios duraram o tempo da nossa conversa em silêncio... Um abraço que me fez sentir mais saudade de escrever pra você. Saudade do tempo em que você não dizia nada e eu escutava você dizer tudo o que eu queria ouvir...
Tão bom encontrar meu verbo reverberando no seu olhar sedutor. Tão bom sentir sua presença na ponta da língua (fiquei com medo de abrir os olhos depois que trocamos aquele beijo, confesso).
O convite ali pronto. E o sorriso embaraçado, sem saber o que dizer. E silenciar amena e intensa, e calar o corpo - a maldita taquicardia e o gemido. A vibração e o desejo em ascensão. E assim permanecemos: úmida e túrgido. E veio a saudade daquilo que ainda não vivemos. E me lembrei de um desejo antigo, que trago desde quando nos deitamos pela primeira vez. Uma noite inteira. Acordar ao seu lado (assim mesmo, com toda a pieguice que a expressão "dormir junto" carrega!). Hoje eu quase falei que tenho saudade de desejar passar uma noite com você. E tenho muitas saudades de sentir saudade! 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

eco

"Meu mundo caiu". Há três anos eu perdi o rumo. Minha escrita desandou. Parece que as frases concatenadas e espontâneas escorrem pelo meio-fio daquela avenida por onde eu caminhei sem saber para onde.
"Meu mundo caiu". Eu não fazia planos, tudo o que ia por dentro era esse meu jeito infantil de acreditar em contos de fadas. E foi por isso que eu desmoronei quando você me apresentou seu roteiro de filme de terror (pelo menos para mim).
"Meu mundo caiu" e toda vez que chega esse maldito 22 de agosto eu choro por todas as sílabas que não escrevi sobre nós.
Eu não queria ficar lembrando; não queria tocar nesse assunto desagradável e pesado, mas as lembranças... sabe como são essas coisas... a ferida parece até que vai sangrar... nunca cicatriza.
"Meu mundo caiu" e nossa canção nunca mais me acordou com as interrogações costumeiras. E independentemente do dia, eu me pego sempre cantando para você o refrão que destaquei para resumir nossas semelhanças. Nossas coincidências simbióticas.
"Meu mundo caiu" quando eu estava longe e você me deu a notícia sem a menor cerimônia. Penso que talvez eu não resistisse se perto. E pela primeira vez, nestes anos que seguiram desde o anúncio, estou perto.
"Meu mundo caiu". Eu não sei o que falar.