terça-feira, 9 de novembro de 2010

não aconteceu nada

Ela não dizia nada. Diante daquelas irreconhecíveis sílabas pronunciadas em voz vacilante que chegava aos seus ouvidos, ela permanecia muda. Enquanto milhões de sonhos impossíveis trafegavam livremente por seus pensamentos desobstruídos... Ele cuidou de contar-lhe uma história fantástica ao descrever como fizera para desvencilhar-se da esposa antes de encontrá-la... Ela calada... cerrou os olhos e o monólogo se encerrava ali: desmaiou.

“Acorda! Acorda! O que está acontecendo? Você está bem??” Ele disse sem obter a resposta desejada. Ela parecia dormir profundamente, sem respirar... a expressão do rosto denunciava certa satisfação, mostrava um sorriso traçado com batom cor-de-rosa.

Ele não entendia o que se passava ali com aquele corpo caído em suas mãos. Queria demonstrar um autocontrole emocional inexistente em casos como esse (desesperador).
Ele secava o rosto com a saia que compunha o vestido que ela usava. Suava muito. Desesperava-se mais e mais ante aquela mulher estendida na sua frente... Ela imóvel.

Aos poucos, lentamente, ela começou a dar sinais de vida àquela massa de carne e sangue...
“Nossa! Estou zonza... acho que desmaiei...” Ela confirmava o que ele já havia notado. Ele sorriu aliviado e tomou-a nos braços com força, de um jeito firme e acolhedor. Ele chorou silenciosamente; estava tenso em toda extensão de seu corpo magro e bem cuidado. Ele não queria que ela ouvisse seus soluços de aflição... calou depressa a angústia de estar diante de uma quase desconhecida e vê-la esmorecer-se ali sem que ele pudesse fazer nada.

A palidez da face dela ia com parcimônia se desfazendo; o tom rosado voltava às suas bochechas, seus lábios já não eram como de cera. Ela finalmente estava acordada e viva.

Olhou para ele com a profundidade de quem quer morar nos olhos do outro; era uma invasão aquele seu modo de olhar! Ele ainda estava tomado pelo susto, atordoado com aquele inusitado e inesperado e indesejável momento de asfixia por que passara... era inacreditável que logo na primeira tentativa de traição à sua esposa, ele se via numa situação tão delicada. Seria só um elemento a mais, uma história que, se contada, viraria piada. Ele não via graça nenhuma... estava paralisado com a cena insólita e bizarra da qual era protagonista. Tudo absurdamente novo e desconcertante.

Claro que depois disso não teve mais criatividade para nenhum assunto... Aquela investida acabaria ali mesmo. E ela partiria sem ter dito a ele nem sequer o seu nome!

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